quarta-feira, 2 de agosto de 2023

A menina do vestido vermelho

Esse tom moreno de pele queimada pelo
sol, o castanho do teu cabelo cacheado pelos ombros, o escuro dos teus óculos de sol pousados ao de leve na cara, e esse vermelho do teu vestido curto que mal te tapa os joelhos.
Não sei para onde ias, para quê essa pressa no teu caminhar. De movimentos ligeiros tropeçados entre a rapidez dos teus passos e a calma dos teus cabelos como se estivessem num trampolim de molas gastas tal era a suavidade com que subiam e pousavam nos teus ombros. Apenas te vi num relance fugaz, por entre os carros que passavam talvez sem destino, talvez sem vagar para te ver, sempre sem parar, não sabendo que ali passava a menina do vestido vermelho. É estranho pensar que esse teu vestido possa passar despercebido numa rua vazia de cor, onde o cinzento do chão se confunde com o branco das paredes, onde o verde das arvores se perde com os raios de sol que as atravessam.
Mas consegui ver-te, mesmo que por breves instantes, o vermelho do teu vestido encheu o horizonte onde o meu olhar se havia perdido na tentativa de desaparecer de qualquer cenário onde pessoas se atropelam. Talvez não fosse o teu vestido vermelho e continuaria a minha missão de me perder lá longe, mas mesmo distante, esse teu vestido, devolveu-me a realidade das cores que se vão apagando a cada verão da alma. Esse teu ar sisudo, de quem tem de de chegar sem percorrer, de quem tem informação privilegiada sobre a alma de quem se cruza contigo na rua, impiedoso a sorrisos e olhares.
Não consegui acompanhar o teu destino, perceber o teu motivo de ir, apenas fiquei ali, a ver o teu vestido vermelho, a sentir a realidade chegar a quem tem de escolher entre o mal e o bem.

terça-feira, 1 de agosto de 2023

As ilhas em mim

Como pedaços de terra por cultivar, vazios de tudo e repletos de nada, assim nascemos neste mundo que nos vai preenchendo aos poucos, que semeia em nós tudo que os outros vão deixando ao longo da vida, ate sermos pequenas ilhas de conhecimento, de sentimentos, de valores e tudo que alguém um dia quis que fossemos.
Nunca chegaremos a partir realmente para parte alguma, por mais superficiais que sejam as raízes, teremos sempre onde nos fixar, em lugares, momentos, ideias, em algum sentimento, mas nunca chegaremos a partir. Estes pequenos pedaços de terra que se encontram, que se confundem entre si, que se entrelaçam por entre sorrisos, olhares, sentimentos ligeiros ou profundos, nunca serão tão nossos, tão sós, como este chão que suporta a dor de viver nesta ilha a que chamo de alma. Nunca saberei o que é ter uma ilha só minha, viver do cultivo que eu próprio criei, do esforço e trabalho que nela dediquei, haverá sempre uma réstia de algo deixado por alguém que aqui passou, haverá sempre sementes deixadas cair dos bolsos rotos de um visitante que fez de um passagem, já era sempre uma arvore de fruto plantada outrora por alguém que quis fazer da minha ilha o seu porto de abrigo, haverá sempre algo de ti em mim para que me possa lembrar que não sobrevivo apenas do ar que respiro, para que me possa lembrar que esta ilha foi construída por mim e por todos aqueles que aqui passaram.
"Aqueles que passam por nós, não vão sós, não nos deixam sós. Deixam um pouco de si, levam um pouco de nós." Antoine de Saint-Exupéry

quarta-feira, 12 de julho de 2023

Saudade

"Sentimento de mágoa, nostalgia e incompletude, causado pela ausência, desaparecimento, distância ou privação de pessoas, épocas, lugares coisas a que se esteve afetivamente e ditosamente ligado e que se desejaria voltar a ter presentes."
"Saudade é uma das palavras mais utilizadas nas poesias de amor, nas músicas românticas da língua portuguesa. Saudade significa a memória de algo que aconteceu e intensa vontade de reviver certos momentos."
Saudade, uma palavra forte de mais para se pronunciar com a leveza de se sentir perda de algo banal, mas talvez seja uma banalidade para mim e algo importante para quem sente.
Saudade, por si só é uma palavra tão pesada para mim que apenas a imagino na minha cabeça e cresce logo um nó na garganta, uma vontade de ter, de correr atrás, de abraçar, tocar, falar e gritar tudo que o coração prende. 
Saudade, esse sentimento que dói tanto, que nos faz cair numa realidade sem sonhos nem esperança, que nos leva para dentro de nós como se fossemos uma concha fechada para o mundo, e quando não cabe no peito sai pelos olhos em forma de água corrente.

segunda-feira, 10 de julho de 2023

Ciúmes da lua

Estou cansado, esgotei as minhas forças contigo, quando tinha pouco dei o que sobrou de mim, esvaziei o meu ser por ti, tentando agarrar o pouco que nos restava, aquele fio vermelho que nos poderia unir num destino ancestralmente traçado, mas vejo-te fugir por entre os dedos, como a areia da praia numa tarde quente de sol onde o corpo cansado cai sobre o areal.
Hoje sinto este vazio, este ciúme que me preenche a alma. Ciúme das pequenas coisas que te preenchem a vida e que não me é permitido dar-te. Ciúme do chão que os teus pés caminham, ciúme do objecto insignificante que os teus dedos tocam. Vejo-me a desejar que um dia me possas querer, que um dia me venhas dizer que não preciso ter mais ciúmes da lua por te ver todas as noites, que não preciso ter ciúmes do sol, pois serão as minhas mãos a acariciar o teu cabelo, que me peças para ser eu a matar a tua sede nas tarde de verão.
Um dia, talvez todo este ciúme seja apenas uma breve lembrança do quanto desejei ser eu em ti, do quanto o mundo me colocou a prova para garantir que o nosso fio vermelho era verdadeiro e forte o suficiente para aguentar uma tempestade sem quebrar. Um dia, não terei ciúmes de nada em ti, serei apenas o teu desejo do melhor que o mundo te poderá dar.

sábado, 8 de julho de 2023

Conversas a sós

Tenho falado muito comigo ultimamente, bem, pelo menos tenho tentado. Nunca são conversas fáceis, nunca sei bem o que esperar do Eu que me ouve e me responde como se fosse eu um estranho no mesmo corpo em que habitamos. Já o tentei convencer de que somos farinha do mesmo saco, que somos unha com carne e que não adianta concordar ou discordar, mas ele sempre foi mais teimoso que eu e nunca chegamos a um bom diálogo, por vezes, chego a conclusão de que é tempo perdido tentar falar comigo.
Nem sempre é fácil criar um dialogo com o meu Eu, por vezes não sei bem por onde começar, outras vezes vejo-o demasiado ocupado a pensar sabe-se la em quê, mas quando, finalmente, consigo ganhar coragem e alguma da sua atenção para podermos ter um dialogo como gente crescida, há sempre um ruído de fundo que nos entropeça as palavras, um som estranho e irritante como se ate os pelos do corpo a crescer fizessem barulho a mais, como que até o próprio pensar fosse conduzido por uma locomotiva a carvão barulhenta e cheia de fumo negro. Raras as vezes tenho conseguido uma conversa concisa com o meu Eu, e quando as tenho acabo a desejar nunca a ter tido. É daquelas conversas com pessoas tóxicas, que nunca nos fazem bem e apenas nos conseguem puxar mais para baixo, como que se o fundo do poço não fosse o suficiente e alguém consegue arranjar uma pá em parte alguma para que se consiga escavar e afundar mais esse poço.
Já cheguei a manda-lo calar, já lhe pedi para se ir embora e desistir de ter uma relação comigo, fosse ela qual fosse, mas nessas alturas, todo o barulho desaparece e a vontade de conversar aparece mais rejuvenescida do que nunca, apenas para se afirmar, para me lembrar que terei de lidar com o meu Eu que tanto me irrita e tanto mal me faz. Enfim, não sei que lhe dizer ou fazer, já tentei de tudo e apenas me consegue contrariar os pensamentos e as ideias.
Talvez tenha de ser assim, não sei, talvez tenha de reaprender a lidar com o Eu que talvez se esteja apenas a vingar por uma época em que foi negligenciado, talvez esteja apenas carente de atenção e agora faça birra a cada tentativa de aproximação, não sei.

quarta-feira, 5 de julho de 2023

Deixa ir

Por vezes não se resume a ter, querer ou querer ter, não basta possuir momentos se a vida não segue o seu destino traçado, não adianta forçar o que está destinado a ser, não hoje, talvez também não amanha, mas um dia, a vida encarrega-se de colocar as suas amarras nos seus portos de abrigo e nos seus barcos.
Este sentimento de ter de abrir mão de algo ou alguém, de acreditar que será melhor assim, não por mim ou por ti, até talvez nem faça sentido, mas acreditar que por nós num futuro próximo, seja o melhor de se fazer no momento. É injusto ter de ser assim, injusto largar algo em que acreditamos em que sentimos, mas mesmo assim largar o cordel que nos poderia juntar apenas para que se consiga ver de longe o que de perto nos parecia perfeito deste mundo só nosso. 
Poderia dar voltas e voltas tentando entender, tentando reunir de novo as forcas para lutar por ti e por nós, tentando arranjar uma explicação para este sentimento de vazio e perda, mas sabemos que não será assim que tem de acontecer, sabemos que não é este o processo a fazer. No entanto, este deixar ir custa tanto como amar, apesar de haver aqueles que acreditam que amar é simples, fácil e bobo, em que não se precisa de lutar diariamente pelo que se quer conquistar ou manter.
Será este deixar ir que irá fazer companhia a este meu vazio repleto de tudo que não me deixa ir a lado algum.

terça-feira, 4 de julho de 2023

Vazio repleto

 

Seria este o primeiro texto deste meu novo blog, mas este vazio de mim, tolhe-me as palavras, turva-me o pensamento e acredito que não saia nada com sentido no fim desta mistura de palavras a que alguém chame texto.

Ultimamente, tenho andado tão repleto de mim, tão embrenhado nos meus sentimentos tão distintos uns dos outros, em que nada me parece fazer sentido sequer e esqueço de guardar parte de mim em estado são. Deixo-me levar pelo momento, pelo sentimento que me aparece nesse instante, pela fadiga de lutar contra outros sentimentos. 

Não sei se seria suposto estar aqui a falar de mim, do que me vai na alma, ou se seria expectável falar de uma vida imaginada por entre sonhos e desilusões, de lutas e aventuras, mas que diferença faria? estaria a falar de mim na mesma, talvez com outro nome, com uma outra personagem para alimentar o ego a alguém que pudesse imaginar que assim seria mais fácil acreditar nas minhas palavras. Seja como for, este será o primeiro aglomerado de palavras que este blog irá ver, e se tudo correr bem, poderá muito bem ser o ultimo ou então facilmente será substituido na cronologia por outros mais, tudo depende do meu estado de espírito, do meu vazio que me preenche.

Não criei uma ideia para hoje, não tenho grande coisa para contar, poderia falar dos amores, dos desamores, de aventuras, de tristezas ou alegrias, mas se conseguisse explicar este vazio, este meu todo que me invade a alma, que me faz perder a cabeça e me troca as palavras por um enorme nó na garganta, penso que se ficaria a perceber tanto mais que nada.

Um dia, fui crente ao pensar que estaria tudo resolvido na minha cabeça, no meu coração e que as tempestades não me voltariam a abalar, sim, houve um dia em que acreditei mesmo nisso, com a força com que uma criança acredita que quer ser a feliz para sempre, bastando apenas sorrir. Hoje de nada me vale o sorriso, o meu ou o teu, não por não o querer, ou por não retribuir, apenas porque hoje não quero sorrisos, não quero felicidade, quero o meu vazio, que me puxa para o fundo, que me esmaga o corpo e a alma como se fosse um trapo.

Já perdi o velho hábito de escrever, de querer ser lido, de tentar fazer alguém sonhar com as palavras, hoje apenas sou o livro aberto de folhas em branco que apanha pó em cima de uma estante qualquer, na esperança que os raios de sol não lhe manchem o papel com o tom amarelado que lhe dá anos de vida. 

Este vazio, este âmago de tudo em mim, que me suga a alma, que me leva para longe do mundo e me deixa ficar num outro lugar de onde já perdi o conhecer, o saber e os hábitos, tantas vezes me acompanhou, tantas vezes foi apenas o meu lugar, o meu aconchego, o meu tudo, e hoje sinto-me um estranho na sua companhia, sinto-me desconfortável por o ter a tempo inteiro, quase o vejo como um inimigo capaz de me fazer as maiores atrocidades. Mas aqui estou eu, não disposto a aceitar o vazio, ou a querer reencontrar um velho companheiro, apenas estou aqui, para que o deixe levar-me a seu bel-prazer. 

Acabei por perder o resto do raciocínio daquilo que queria falar, talvez tenha sido este vazio que me invadiu uma vez mais a mente e me retirou o pouco que me restava. 

Sem despedia ou resumo do que quer que seja, vou terminar isto como a vida termina a relação com os seus ocupantes, de forma fria, sem significado ou razão, apenas sendo ela repleta de vazio.

A menina do vestido vermelho

Esse tom moreno de pele queimada pelo sol, o castanho do teu cabelo cacheado pelos ombros, o escuro dos teus óculos de sol pousa...